domingo, 4 de março de 2012

Vale do São Francisco: um celeiro de vários povos

Por Ladjane Davi
Petrolina era um corredor para viajantes do Norte em direção à Bahia e demais estados, servindo como ponto de convergência para a travessia do São Francisco, tornando-se mais tarde sede de um pequeno número de moradores. Só tornou-se município autônomo no final do século XIX, já apresentando características de cidade vitrine para diversas pessoas que por ali passavam.
Atualmente a região representa um dos maiores pólos de agropecuária moderna do país, vêm atraído os interesses de empresário do ramo do mundo inteiro, ostentando o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)t. Na última década, houve um aumento de 34,5% na ultima década, com uma população estimada de 299 mil habitantes em 2011, segundo o Censo 2010. Desse total, cerca de 75% dos moradores da cidade são provenientes de pessoas não nascidas em Petrolina, de acordo com o ultimo Programa Plurianual (PPA) realizado há dois anos.
 Isso deve-se a uma soma de fatores favoráveis como suas características naturais, com temperaturas elevadas o ano todo, pouca pluviosidade e as condições de solo e umidade, representam um cenário ideal para produção de frutos de alta qualidade. “Essas condições positivas fizeram o município receber muitos incentivos a produtividade e o emprego de técnicas avançadas de agricultura, atraindo mão-de-obra especializadas” relata Geraldo Junior, diretor presidente da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA)
A chilena Luz Marina Bleichvel, consultora em produtos para exportação, mudou-se para Petrolina em meados de 1992 quando foi contratada por uma empresa da região para implantação de Tecnologia de Pós-Colheita, um conhecimento inovador na época. Assim como ela, muitos trabalhadores e proprietários rurais se estabeleceram na região a fim de investir na fruticultura irrigada, contribuindo para transformar Petrolina no segundo maior centro vinícola do país
A infra-estrutura da cidade, como um sistema de transporte aeroviário eficiente e com serviços alfandegários para exportação da produção é um fator de atração para a implantação da produção agrícola e seu escoamento e conseqüentemente a fixação da mão de obra utilizada. “A região do Vale do Francisco ofereceu para mim a primeira oportunidade de atuação concreta de minha profissão, possibilidade de aprendizado e, acima de tudo, condições favoráveis para minha estabilidade financeira. Moro em Petrolina há 13 anos, desde quando me mudei do interior do Rio Grande do Sul, constitui família e minha propriedade rural não estaria melhor se não fosse localizada à beira do Rio do São Francisco”. relata o produtor de uvas, Ricardo Capellaro.
Além de produtores e trabalhadores rurais, grande parcela dos migrantes é formada por estudantes e professores de outros estados atraídos pelo crescimento do pólo educacional no Vale do São Francisco, que movimenta a economia da região. Orlando Laitano, professor da Universidade do Vale do são Francisco (UNIVASF), mudou-se da capital do Paraná para Petrolina, após ter sido aprovado num concurso para lecionar na Instituição. “No início foi muito difícil me adaptar a cidade, devido clima bastante quente e algumas dificuldades que encontrei para me estabelecer na cidade, como o alto custo de vida, além da deficiência em alguns serviços. Mas hoje considero uma cidade agradável, com uma cultura diversificada e rica em desenvolver novas atividades, o que é totalmente favorável para meu desenvolvimento profissional e pessoal”, declara.
Apesar de a cidade ainda não ter se ajustado totalmente ao ritmo de crescimento que vem passando, a região oferece uma infra-estrutura bastante ampla e diversificada que a assemelha aos grandes centros urbanos, apresentando desde aeroporto, shopping, comércio dinâmico, espaço para lazer e atividades físicas (como parques e orla), uma rede de gastronomia variada, além de uma culinária com características regionais, podendo agradar aos paladares mais exigentes. Luz Marina relata que “Petrolina e Juazeiro oferecem toda uma estrutura necessária  para uma vida confortável no plano pessoal e de trabalho. Hoje tenho minha empresa em Juazeiro, moro em Petrolina e não tenho planos de mudar para outra região ou voltar para meu país. Gosto muito de morar no Vale e não troco por nada a tranqüilidade que ainda temos por aqui, diferente das capitais”, relata a chilena.  
Já seu Joaquim José, trabalhador rural, não visualiza a região como um local tão atraente para se morar. Ele mudou-se de sua cidade do interior do Piauí, São Raimundo Nonato, devido à oferta de trabalho numa vinícola da região e reclama de falta de serviços básicos, como transporte, saúde, relatando serem bastante precários para aqueles que dependem de serviços públicos, além da moradia ser bastante cara, no qual paga aluguel de R$ 300, cujo valor compromete bastante seus dois salário mínimos. “Quando me mudei para Petrolina estava desempregado, e apesar de conseguir o serviço que queria, hoje sofro quando preciso de uma consulta medica, de um exame. Ainda tenho dificuldades no minha ida para o trabalho, já que moro num bairro afastado, pois aluguel no Centro é muito caro”.
Seja por motivos econômicos, por anseios profissionais ou pela busca de uma melhor qualidade de vida longe das grandes capitais, pessoas de diversos lugares do país e do mundo foram e são atraídos para o Vale do São Francisco. Apesar das dificuldades e deficiências que encontram nas cidades, eles estabeleceram suas residências, consolidaram-se profissionalmente, constituíram família e contribuíram na formação da história da região, transformando o Vale num celeiro de diversos povos e culturas, com anseios e conquistas variadas, mas com um ponto em comum, o Rio São Francisco como cenário de sua nova moradia.

A Preservação Ambiental Nas Ilhas Fluviais de Petrolina - PE

 Por Gilka Oliveira

As ilhas fluviais do rio São Francisco entre Juazeiro e Petrolina são uma alternativa de lazer e trabalho para muitas pessoas, principalmente nos finais de semana e feriados. Todavia, a preocupação em preservá-las conscientemente, muitas vezes não constitui a realidade.
As ilhas do São Francisco são áreas de preservação permanente (APPs), sendo locais que limitam constitucionalmente o direito à propriedade, muito embora isso não inviabilize totalmente sua ocupação, já que deve respeitar critérios legais pertinentes à preservação de seus recursos naturais.
De modo geral, a  ação antrópica de ocupação das margens do rio é mais intensa no lado de Juazeiro se comparada a Petrolina, não obedecendo nenhum critério estabelecido pelo Código Florestal (lei 4.771/65) para proteção de APPs do rio e não oferece qualquer segurança à população em caso de evento climático catastrófico, expondo aos riscos em caso de inundação.
A lei estabelece que a faixa de preservação permanente mínima para o trecho do rio onde está localizado o Country Club deveria ser de 500 metros de largura, porém o município tem permitido a ocupação extensiva dessa faixa territorial, assim o Country Club e a ilha atrás dele estão em sua totalidade situados em uma APP do rio São Francisco, sendo a distância da entrada do clube até a margem do rio estimada em 160 metros, constituindo-se em uma construção ilegal, tanto do clube quanto do parque localizado na “Ilha Bella”, nome adotado para a referida ilha próxima ao clube. Outra questão ilegal é a construção de uma ponte metálica que liga a ilha e o clube, inviabilizando a navegação do rio naquele trecho.
Ao final da primeira etapa de ampliação da ponte Presidente Dutra, foram feitas denúncias de que a empresa responsável pela obra havia deixado canteiros de obras e restos de materiais na Ilha do Fogo, localizada no meio da ponte, tendo sido retirados após notificação realizada pelo IBAMA. 
Entre os vários problemas relativos à preservação das ilhas estão o aumento significativo de construções, a criação extensiva de animais, o desmatamento, as queimadas e o acúmulo de lixo. Para o chefe do Escritório Regional do IBAMA em Juazeiro, Juraci Lima, mesmo com a coleta do lixo realizada pela prefeitura, duas vezes por semana na Ilha do Rodeadouro, ninguém pode garantir que parte do lixo produzido nas ilhas não vá parar dentro do rio. Embora o Ministério Público já tenha estipulado um limite para a colocação das cadeiras e mesas com relação à margem do rio, aos poucos as pessoas vão instalando cadeiras dentro do rio e consumindo vários produtos nestes locais, podendo deixar latinhas ou restos de produtos alimentícios caírem dentro do rio e aos poucos irem parar no fundo do rio, causando a degradação do mesmo.

 Foto: Gilka Oliveira
Queimada na ilha de Massangano
Na Ilha do Rodeadouro, a gerência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Juazeiro realizou no ano passado, em parceria com o IBAMA uma ação de coleta do lixo acumulado nas praias da ilha. Este ano a Associação de Barraqueiros da Ilha Culpe o Vento solicitou  uma intervenção naquela comunidade. No dia do rio São Francisco, foi realizada uma palestra com crianças do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, moradoras da ilha; além de coleta do lixo, replantio de vegetação nativa, retirada do gado e outros animais que pastavam soltos pela ilha, causando a degradação do meio ambiente. Estão previstas ainda a colocação de placas educativas visando a conservação. A depender do resultado destas ações, a prefeitura pretende estender às outras ilhas ações semelhantes.                                                                                
  
Foto: Gilka Oliveira
Placa na ilha do Rodeadouro, alertando para a importância depreservar o rio. 
Nas ilhas do Massangano e Rodeadouro que atraem centenas de pessoas nos finais de semana, a ocupação é crescente e isso significa uma utilização cada vez maior dos recursos naturais.

Segundo seu Manoel Rodrigues da Silva Santos, 74 anos, morador da ilha do Rodeadouro desde 1964, mais conhecido por seu Né, apesar do  desmatamento da mata ciliar para abastecer os antigos barcos a vapor e que muito contribui para a devastação da mata ciliar, os problemas se agravaram ainda mais após a construção da barragem de Sobradinho. Segundo ele, o rio era mais fundo e menos largo, o que evidencia o assoreamento do rio, além disso várias são as ações antrópicas realizadas pelo governo que na sua opinião, prejudicam o meio ambiente. “O projeto para levar água para o Rio Grande do Norte, será que não desmata não? E cadê a punição? O projeto Salitre taí vai ser o maior projeto do Rio São Francisco e o governo não dá jeito” “Agora para o turismo tá bom, mas para as ilhas tá ruim”, alerta.

Latinhas de cerveja em uma das praias fluviais da ilha do Rodeadouro.
Ele afirma que muitos visitantes não têm o cuidado de recolher o lixo gerado durante sua estadia, deixando-o disperso na ilha. Os artesãos da ilha costumam se mobilizar para recolher o lixo acumulado, constituindo uma de várias ações semelhantes já realizadas periodicamente na ilha. Para ele, diminuir o número de construções próximas ao rio e o tamanho das bombas d’água que utilizam a água ao longo do São Francisco, é uma alternativa para evitar a crescente degradação do mesmo.

Seu Né, mais antigo barraqueiro e grande conhecedor da ilha do Rodeadouro.
Em locais como em uma das extremidades da ilha de Massangano, cuja travessia fica a cinco minutos da ilha do Rodeadouro, alguns moradores já estão colocando sacos de areia na tentativa de evitar a queda de árvores nas margens quando o rio sobe. Seu Manoel Antônio dos Santos, morador da ilha de Massangano, filiado desde 1982 à colônia de pescadores de Sobradinho e sócio fundador da mesma, com o tempo foi obrigado a diversificar suas atividades profissionais devido à diminuição no tamanho dos peixes, tornando a atividade inviável. Hoje, aproveitando o turismo nas ilhas ele exerce a atividade de barraqueiro para complementar a renda familiar. “Quando enche, o rio vai avançando nas margens quebrando as barrancas da beira do rio e derrubando as árvores”, diz.    
                                                                                                                

Seu Antônio, pescador, barraqueiro e morador da ilha de Massangano a quarenta anos. 
O Agente Ambiental Federal do IBAMA, Ulmar Guarani, relata que, com o avanço da degradação da mata ciliar, muitas espécies como o jatobá, o tamarindeiro, a ingazeira, o umbuzeiro e o marizeiro que eram comuns nas ilhas foram desaparecendo e  muitos peixes frugívoros, que se alimentavam de frutos que caíam nas águas do São Francisco praticamente não existem mais. Além disso com a barragem de Sobradinho, muitos peixes ficavam presos nas turbinas durante a pirapora pois não conseguiam subir a barragem, como conseqüência muitas espécies foram desaparecendo do rio e outras não nativas foram introduzidas por pessoas leigas em questões ambientais, modificando aquele  ecossistema.
Segundo Ademir Fernandes da Silva, do setor de projetos e educação ambiental da Secretaria de Agricultura Desenvolvimento e Meio Ambiente da Prefeitura de Juazeiro, está prevista para esse ano uma reunião envolvendo barqueiros, barraqueiros, SEBRAE, Ministério Público, UNIVASF, IBAMA, prefeituras de Juazeiro e Petrolina, entre outros setores da sociedade, para apresentação dos principais problemas ambientais e respectivas propostas para a Ilha do Rodeadouro. O plano que já foi apresentado à Marinha e ao IBAMA, conta com o planejamento do estudante de arquitetura da Universidade de Nápoli, Mateo Nigro e visa um melhor aproveitamento da ilha de uma maneira sustentável a longo prazo.                                                                         
Embora o Ministério Público juntamente com o IBAMA realizem várias ações para a preservação do meio ambiente e haja a preocupação de muitos comerciantes e moradores das ilhas fluviais em preservar, muitas infrações ainda são cometidas dificultando a preservação adequada dos recursos naturais das ilhas, provavelmente ações no âmbito da educação ambiental com a participação de visitantes e sociedade civil em geral, seja o caminho mais adequado para uma mudança de postura frente às questões ambientais.

Texto e Foto: Gilka Oliveira