quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Omar (BABÁ) Um grande homem em poucas letras

Por Ladjane Davi

A definição de seu nome encontrada na parede de seu quarto retrata genuinamente a personalidade do nosso perfilado. “Nome de origem árabe, que significa próspero, de grande coração. A maioria das pessoas o acha fascinante. Nunca perde as esperanças, positivo e forte ante a adversidade, compassivo com todos. Seu otimismo supera qualquer obstáculo, seu ânimo se mantém sempre estável. Que seja eterno”.
Essa interpretação feita para seu nome consegue vislumbrar uma de suas maiores qualidades, a humildade, facilmente perceptível nos primeiros momentos de conversa. Seu estilo bem hospitaleiro e cordial, agradável em servir e poder ser útil no que for preciso, sempre com um ótimo senso de humor mesclado a um vocabulário preciso e amplo, nos faz confirmar cada adjetivo destinado às poucas, porem fortes, letras da palavra OMAR.
A conversa começa com um clima um pouco retraído e singelo, diante da infinidade de questionamentos que poderiam ser extraído daquela conversa. Porém, com uma rápida auto-definição do nosso personagem, percebemos que seu bem mais precioso não é apenas suas memórias e experiências, mas os seus valores como ser humano que busca diariamente se aperfeiçoar ética e moralmente sob a ótica da política. Foi através deste instrumento, que ele começou a ter suas primeiras visões críticas sobre a sociedade e suas disparidades.
Omar Dias Torres, conhecido como Babá, porque seu irmão mais novo quando bebê não conseguia pronunciar seu nome e assim o chamava, é o seu apelido mais conhecido e carinhoso. Nasceu em Curaçá, “minúscula cidade do sertão baiano, sede de um município espremido entre o Rio São Francisco e vastidão das caatingas sujeitas ao flagelo da seca”. Ele, Sexto filho dos onze de seu pai, Durval Santos Torres, com sua mãe, Elzita Dias Torres. Seu pai foi funcionário público da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, um homem “extremamente honesto, desprendido, bondoso, sensato, corajoso e com forte senso de justiça.” Foi a grande figura inspiradora para Omar por trilhar uma trajetória de vida que defendia seus ideais, incentivando as posteriores atitudes do filho.
Mais tarde seu pai sofreria perseguições violentas que o obrigaria a fazer 26 remoções para diferentes cidades e regiões da Bahia. Conseguiu posteriormente se fixar, através de mandatos eletivos, na cidade de Curaçá onde foi Presidente da Câmara do Vereadores e substituto do prefeito (“Na época não havia o cargo do vice-prefeito, nem vereador tinha salário”). Sua mãe descendente de índios de Sento-Sé é definida por ele como “muito valente e impulsiva, também muito solidária e caridosa e avessa à injustiças”.
Desde bem menino Omar, já se apresentava como um bom ouvinte, característica imprescindível dos grandes líderes, demonstrando interesse pelas conversas dos mais velhos, dando especial atenção para as histórias de Lampião que teve marcante passagem pelo seu município e a quem ele tem profunda admiração pelo seu poder de chefia. Ainda na escola primária, teve um despertar voluntário pela leitura, lendo livros desde os temáticos para sua idade, até os avançados sobre política e história geral, o que o proporcionou uma boa leitura e escrita garantindo-lhe hábitos que mantêm até os dias de hoje.
Lembra que nessa época ganhou de um padre americano um livro intitulado “Mestres dos Embustes”, escrito por Edgar Hoover (soube anos depois que era diretor da CIA), que fazia contundentes críticas às sociedades comunistas. Recorda que detestou o livro e que o fez se interessar por aquele outro mundo citado. Outro livro que o marcou bastante foi emprestado por um advogado de Senhor do Bonfim, que fora atuar num júri em Curaçá, Rafael Bartilotti, com o título de “O acrobata pede desculpas e cai”, do escritor ateu Fausto Woolf. Conheceu também nessa época a literatura de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Monteiro Lobato.
 Ao ler livros comunistas que pregavam a solidariedade, o não acúmulo de bens e por receber bastante influência de seu pai,  envolvido com a política esquerdista de sua cidade, Babá construiu seu senso critico e um anseio transformador para combater as desigualdades sociais as quais ele mesmo presenciou com sua convivência com garotos mais pobres. A população de duas mil pessoas de Curaçá na sua fase de menino era “mais ou menos nivelada por baixo”. A convivência fraterna e muito próxima encobria os desequilíbrios, dando-lhe a sensação de não haver muita distância ou diferenças entre os menos ou mais favorecidos economicamente. O próprio processo educativo apresentado na sua infância, oriundo não apenas da escola, mas das brincadeiras e contatos com meninos mais pobres lhe serviram de base para que ele vivenciasse a não existência de diferenciação entre as pessoas, sendo isso uma idéia imposta pela sociedade burguesa.
 Quando completou 10 anos de idade acontecia no cenário internacional o triunfo da Revolução Cubana, idealizada e concretizada por revolucionários, sendo um fato bastante marcante na vida de todos os jovens, principalmente daquele menino precocemente engajado. Ele buscou acompanhar as notícias sobre revolução que tinha um caráter comunista e pregava uma visão critica sobre o sistema vigente, sendo, portanto, uma alternativa a sociedade em que vivia. Buscou ler livros sobre a recente vitória dos revolucionários e ouvia os constantes comentários sobre a marcha da Coluna e seu líder, o lendário comunista, Luis Carlos Prestes, para quem seu pai conseguiu expressiva votação para senador na década de quarenta. Com onze anos, já participava das atividades políticas de seu pai, compartilhando de suas ideais. Foi nesse momento que foi plantada a semente das duvidas e dos questionamentos que iriam nortear sua conduta de vida durante toda sua trajetória. Foi ali que nasceu o interesse pelo ideal comunista.
Posteriormente, no ginasial, meados da década de 60, entrando na juventude foi estudar em Salvador levado pelo irmão mais velho. Lá teve a oportunidade de conhecer diferentes pessoas, ampliando suas possibilidades de conhecimentos e contatos, sedimentando ainda mais suas convicções políticas. Foi percebendo que a política seria um instrumento imprescindível para pôr em prática todos os seus anseios. Esse período foi fundamental na construção de seu ideal de causa, que se transformaria na linha mestre de sua vida.
Em 1964, aos 15 anos, ocorreu o golpe militar e este momento tornou-se para ele um período de grande tristeza. Nesse minuto, Babá muda a expressão, mostrando um olhar mais brilhante que denunciava seu nostálgico descontentamento com os acontecimentos da época. Era um grande admirador do presidente João Goulart que lutava pela implantação de mudanças e reformas na sociedade que ia na mesma direção dos sonhos de Babá. Havia uma identificação natural com o governo em questão, pois era composto por movimentos sociais muito organizados, por partidos comunistas bastante ativos, e por lideranças como Miguel Arraes, Leonel Brizola, personalidades que atuavam na política nacional e pelo qual ele tinha grande apreciação. O golpe militar trouxe com ela a repressão que dificultando a articulação dessa organização, matando lideranças populares, impedindo toda essa condição de luta por uma sociedade igualitária.
            -“Foi um erro a luta armada contra a ditadura, mas deveria ter sido feita com mais cautela diante das disparidades de forças entre os oponentes, no qual reacionários sem armas, sem apoio populacional combatia um regime forte e de grandes bases aliadas. Era uma desigualdade impossível de dar certo, pois o envolvimento emocional e ideológico ofuscava o perigo que acabaram com desfechos bastante trágicos”.
Nesse período, seu irmão, com quem morava, mudou-se para o Rio de Janeiro, momento em que foi servir ao Exercito, porém com grande empatia e o desejo de se engajar na luta. Durante sua jornada, encontrou pessoas que lutavam contra o regime militar, no qual a vida se encarregou de aproximá-lo, sempre consciente dos riscos e da certeza de seus ideais. Foi um período em que apoiou as instituições que lutavam contra a Ditadura como a imprensa alternativa, o Pasquim, que servia como uma válvula de escape para ele e seus companheiros. E ficaram nessa luta até quando veio à anistia, período em que já estava morando de volta no interior da Bahia. 
Durante a anistia houve a volta de lideranças que estavam exiladas do Brasil, entre elas Valdir Pires França que tinha sido Procurador Geral da República no período do golpe. Nessa época, o país vivia o bipartidarismo, dividido em Arena e MDB, procurou-se engajar com este último partido onde ele iniciou todo um trabalho político de reorganização no início da década de 80. Teve a oportunidade de conhecer Valdir, grande amigo de seu pai que o procurou no período da anistia.  Babá o conheceu e iniciou-se uma grande amizade que perdura até hoje. A partir daí, com essa nova aliança, retomou um trabalho político no interior da Bahia e regiões circunvizinhas. Para ele, Valdir representa “um ícone da política, uma figura mito no cenário publico da época. 
Fundou com seus amigos e sua esposa, Antonieta, o jornal Asa Branca em Curaçá, cidade que era administrada por uma “oligarquia de direita carlista” ligada a Antônio Carlos Magalhães (ACM). Com este jornal ele começou um trabalho juntamente com o povo no sentido de organizar e esclarecer a população os fatos contemporâneos. Porém, o impresso não tinha o alcance que desejava, pois uma grande parcela da população da região era analfabeta. Foi ai que decidiu mudar a estratégia para atingir um maior número de pessoas, através do rádio, realizando um jornal falado. Foi quando pode informar e ter uma boa aceitação.
Em 1983, iniciou um programa na emissora Rural, de maior audiência na época, chamado Nossa Presença, com duração de 1 hora que ia ao ar nos sábados, fazendo os resumos dos fatos da semana. O foco principal do programa era ser um agente formador de opinião, uma espécie de escola política. Os assuntos abordados não se limitavam apenas aos fatos políticos da região, como também aos atos administrativos do país inteiro, através de uma linguagem acessível ao povo. E embora fossem nacionais poderiam refletir na vida e no cotidiano da população local. O programa alcançou muito prestigio no Nordeste, atingindo um grande numero de ouvintes nos estados da Bahia, Sergipe, Piauí e Pernambuco. Devido à falta de liberdade de expressão, imposta pelo regime militar, não havia organização da categoria do jornalista. Foi quando Babá ajudou a trazer a Associação Baiana de Imprensa, na cidade de Juazeiro, participando de todo seu processo de organização e estruturação. Foi membro da primeira diretoria provisória responsável pela organização e criação do Sindicato do Jornalista e Radialista na cidade, mostrando sua coragem e ousadia em organizar entidades sindicais na época.
Em 1986, seu amigo Valdir foi eleito governador do estado da Bahia, derrotando ACM numa “eleição memorável com mais de dois milhões de votos de frente”. Nesse momento, Babá foi chamado a trabalhar no cargo de Assessoria do Governo para a região do interior do estado. Passou a dirigir em Juazeiro e lago de Sobradinho, a Companhia de Ação e Desenvolvimento Regional (CADR), um órgão coordenador da secretaria de planejamento, que articulava com todos os outros órgãos do governo.
Toda essa movimentação fez com que em 1988 seu nome fosse escolhido como candidato à prefeitura de Curaçá, com uma campanha marcada pela ampla participação do povo, porem não teve sucesso, perdendo por uma margem pequena de votos. Esse fato foi devido a uma considerável interferência do poder judiciário através de ACM que, apesar de não ser mais governador da Bahia, ainda detinha grande influência e atuação nas questões políticas do estado. Além disso, houve uma forte contribuição financeira da CHESF que, na época, era responsável pela construção da barragem de Itaparica.
Devido essa obra, milhares de famílias foram removidas da região que seria alagada e assentadas em 16 agrovilas, sendo 14 no município de Curaçá e duas no de Abaré. Babá abraçou a causa dessas famílias, pois todo esse processo foi feito de forma desrespeitosa e ao arrepio da lei. Com isso, José Carlos Aleluia, presidente da CHESF, sabendo dos riscos de um candidato comunista no poder ligado à população pobre e oprimida, interferiu financeiramente na campanha de Babá, contribuindo para sua derrota. Porém, depois disso foi plantada a semente de conscientização na cidade, que nas eleições futuras elegeriam prefeitos de oposição.
Apesar do descontentamento, ele continuou participando da vida pública na Bahia ativamente e sempre ligando-se a pessoas que tinham uma história política de luta e reação à ditadura. Apoiou Jaques Wagner, que também participou da luta política e hoje está no segundo mandato no governo do estado da Bahia. No período da ditadura, devido ao receio de reagir ao sistema, os poucos políticos que tinham essa coragem se apoiavam em diferentes regiões. Por isso Babá não apenas era visto como um político apenas na Bahia, mas num raio de atuação muito maior. Isso fez com que, mais recentemente, em 2006, depois da eleição de Eduardo Campos para o governo de Pernambuco, o então prefeito de Petrolina o convidasse para ser Chefe de Gabinete e secretário de outras pastas na prefeitura da cidade.
Com as mudanças políticas, advindas do fim da ditadura, muitos de suas redes de contatos chegaram a cargos políticos importantes no cenário nacional, a exemplo do ex-presidente Lula, com quem tem amizade desde a época em que era candidato nas caravanas de cidadania. Essa gama de conhecimento o influencia até hoje, pois possui mais oportunidade para contribuir discreta e anonimamente em prol da população. Apesar de não ter mais interesse em se candidatar para cargos eleitorais, Babá prefere a política de articulação e aproximação dos políticos aos movimentos populares. Uma atuação que ele considera discreta, porem importante, para manter ativa a continuidade de luta pela sua causa maior, que permanece a mesma desde o inicio de sua militância. “É necessária a manutenção da luta pelo povo, pois o sistema capitalista, onde impera o individualismo, o hedonismo e materialismo, sucumbiu à disposição e a iniciativa de políticos que hoje se encontram no cenário publico pela causa dos menos favorecidos”.
O distanciamento da linha de frente da política para Babá ocorreu em parte por discordar do sistema de campanha eleitoral, pois não consegue se visualizar sendo complacente. O suporte financeiro de empresários e os recursos do próprio governo para o apoio de candidatos que repercutem, posteriormente, na obrigatoriedade de retorno econômico pelo prévio beneficiamento, é visto por ele como contraditório aos seus princípios. Conhecendo esses mecanismos, preferiu deixar de ser protagonista dos jogos políticos lutando contra os poderosos e passou a ser coadjuvante na articulação de sua causa.
            Seu descontentamento é visível sobre o posicionamento de representantes públicos, com relação a sua forma de ver e agir politicamente, que não mais enxergam os anseios coletivos, numa amnésia com os militantes antepassados que deram sua vida por uma causa social, e hoje não interferem humanamente na sua forma de governar. Babá encontrou forças na continuidade de defesa de suas convicções na maçonaria, uma instituição secular existente em todo o mundo que inspirou grandes personalidades pertencentes a movimentos libertadores. Para ele os princípios da maçonaria o inspiram até hoje, pois encontra dentro da instituição o apoio para continuar sua causa, sendo uma fonte de alimentação para perseguir um mundo mais humano que, mesmo que não chegue a visualizar, acredita que irá se concretizar nas gerações futuras.
            Ao ser questionado sobre momentos inesquecíveis de sua vida ele relata com grande orgulho:

-“ Pla importância que foi para mim, conhecer Cuba profundamente e lá merecer o privilégio de ver por duas vezes o grande líder Fidel Castro, assistir Pablo Milanes ao lado de Gabriel Garcia Marquez e ser companheiro e amigo do compositor/cantor Taiguara, ídolo da juventude engajada brasileira na década de sessenta e setenta”.

E instigando ainda mais sua reflexão e nostalgia quando problematizado sobre o que poderia fazer diferente e ao recordar toda sua trajetória, ele relata que faria tudo novamente. Que poderia fazer de outra forma, olharia mais amplamente a situação, o seu extremo grau de envolvimento e paixão pela causa que lutava nessa época escura de nossa história. E hoje com toda sua maturidade e experiência relata com entusiasmo que, mesmo olhando para trás, diria e cantaria (com ótima afinação e sentimentalismo de quando cantou para mim) os versos de Gonzaguinha...: “Começaria tudo outra vez”.









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